segunda-feira, 17 de agosto de 2009

SHYIMA HALL - Vítima de contrabando de crianças.

Acompanhe a história dessa menina que foi traficada. A matéria é longa, porém muito interessante. Vale a pena!


Vendida pelos pais e contrabandeada para os Estados Unidos, Shyima Hall foi mantida presa durante dois anos como escrava.


Em 2007, Shyima, nascida em Alexandria, no Egito, encerrou em sua vida um capítulo que teria preferido jamais escrever. Tudo começou em 2000, quando seus pais, muito pobres, venderam-na a um casal rico no Cairo. O casal se mudou para os Estados Unidos e conseguiu fazer com que a menina de 10 anos entrasse ilegalmente no país para trabalhar na casa deles.


Tráfico e exploração infantil


De acordo com o Departamento de Saúde e Serviços Hu­manos dos Estados Unidos, o tráfico de pessoas é o tipo de crime que mais cresce no mun­­­­do. Até 800 mil pessoas são traficadas por ano pelas fronteiras internacionais; os Estados Unidos são um destino comum, recebendo até 17.500 todo ano para serem exploradas sexualmente ou como mão-de-obra. Shyima, acostumada a dificuldades, ficou nesta última categoria. Era uma dos 11 filhos de pais paupérrimos e foi criada numa casa com um banheiro só que abrigava três famílias. Ela, os pais e os irmãos dormiam em um quarto, sobre cobertores no chão. O pai costumava sumir durante semanas. Shyima conta que “quando estava em casa, ele batia na gente”.
Ela nunca ia à escola e o futuro não era nada promissor. Ainda assim, tinha esperanças. Como contou anos depois no tribunal, “lá havia felicidade. Eu tinha quem cuidasse de mim”.
Aos 8 anos, ela foi morar com um casal de 30 e poucos anos, Abdel-Nasser Youssef Ibrahim e a mulher, Amal Ahmed Ewis-Abd Motelib. A irmã mais velha de Shyima trabalhara para eles como empregada doméstica, mas o casal a demitiu, acusando-a de furtar dinheiro. Como par­te do acordo que o casal fez com os pais de Shyima, ela foi obrigada a rtrabalhar como empregada doméstica, para substituir a irmã.
Dois anos depois, Ibrahim e Motelib decidiram se mudar para os Estados Unidos com os cinco filhos para abrir uma empresa de importação e exportação. Shyima não queria ir. Hoje ela diz que Ibrahim lhe falou que ela não tinha opção. Shyima se lembra de estar perto da cozinha, ouvindo os patrões conversarem com seus pais.“Escutei a negociação e aí meus pais me entregaram a essa gente em troca de 30 dólares por mês”, contou.



Escravização infantil



Shyima entrou nos Estados Unidos com um visto de turista, válido por seis meses, obtido de forma ilegal, e passou a morar na casa da família, de dois andares, num condomínio fechado em Irvine. Quando não estava trabalhando, ficava restrita a uma parte da garagem, com 3,5 por 2,5 metros, sem janelas, sem ar condicionado nem aquecimento. Ela diz que às vezes a família a trancava lá. A mobília da senzala: um colchão sujo, um abajur e uma mesinha. Shyima guardava as roupas na mala.


Rotina de uma mini-escrava


Todo dia acordava às seis da manhã, no mesmo horário dos filhos gêmeos do casal, que tinham 6 anos. Obedecia às ordens de todos, até mesmo das três outras filhas do casal, de 11, 13 e 15 anos. Cozinhava, servia à mesa, lavava a louça, fazia as camas, trocava os lençóis, lavava e passava a roupa, tirava o pó, varria, aspirava e passava pano úmido no chão. Era comum trabalhar até meia-noite. Certo dia, quando tentou lavar a própria roupa, Motelib a impediu: “Ela me disse que eu não podia pôr minhas roupas na máquina de lavar porque eram mais sujas que as deles.”Desde então, Shyima passou a lavar suas roupas num balde de plástico, que guardava próximo ao colchão, e a pendurá-las para secar nu­ma grade de metal perto das latas de lixo.Motelib e Ibrahim batiam em Shyima, mas o isolamento e as agressões verbais eram piores. “Eles me chamavam de estúpida, diziam que eu não era nada”, conta. Shyima comia sozinha e não podia frequentar a escola nem sair da casa sem que Motelib ou Ibrahim a escoltassem. O casal ordenava-lhe que não contasse nada a ninguém sobre a situação: “Eles me ameaçaram, dizendo que a polícia me prenderia porque eu era ilegal.”Embora nunca admitisse ter saudades da mãe, chorou abertamente na frente de Motelib e Ibrahim quando teve uma forte gripe. “Mesmo doente, tive de trabalhar. Não me deram nem remédio.” À noite, exausta e sozinha, Shyima fitava a escuridão. Ibrahim lhe tirara o passaporte e ela temia ficar presa para sempre. Quando fez 12 anos, não houve festa. A menina passou o aniversário fazendo o serviço de casa.


Denúncia anônima


Seis meses depois, na manhã de 9 de abril de 2002, Carole Chen, assistente social do Serviço de Proteção à Criança de Orange County, atendeu a um chamado anônimo (supostamen­te de um vizinho do casal) que denunciava um caso de agressão infantil. A pessoa disse que uma menina morava na garagem de uma casa, e trabalhava como empregada sem ir à escola. Chen, junto de Tracy Jacobson, investigadora da polícia de Irvine, bateu à porta de Ibrahim. Quando ele atendeu, Jacobson perguntou quem mais morava na casa. Ibrahim citou a mulher e os cinco filhos. “Há outras crianças?”, pressionou a policial. Ibrahim admitiu que havia uma menina de 12 anos. Afirmou que era parente distante. “Posso conversar com ela?”, perguntou Jacobson.Fazendo faxina no andar de cima, Shyima não sabia que a salvação estava a uma distância mínima. Ibrahim chamou-a em árabe e disse-lhe que descesse e negasse que trabalhava para eles. Malvestida, com uma camiseta marrom e calças largas, ela correu até a porta.Chen, que percebeu que as mãos da menina estavam vermelhas e machucadas, chamou um tradutor pelo celular. Shyima disse ao tradutor que estava no país há dois anos e nunca fora à escola.Jacobson pôs a menina sob custódia preventiva. No ban­co de trás do carro da polícia, a caminho de um lar coletivo para crianças, onde ficaria temporariamente, Shyima rezou para não ter de encarar de novo seus captores.“Ela era incrível, uma criança muito forte”, lembra a policial. “Nunca chorou. Gostou de ficar sob custódia, ao contrário das outras crianças, porque assim se sentia segura.”Dali a algumas horas, Jacobson, munida de um mandado de busca, voltou à casa de Ibrahim com agentes do FBI e do ICE, órgão do governo americano que cuida da imigração e da alfândega. Na garagem, fotografaram o colchão manchado de Shyima. Havia um balde de água com sabão junto a um abajur quebrado e roupas dobradas no chão.


Contrato de escravidão


“Shyima vivia numa situação de contraste total em relação ao restante da família”, revela Jacobson. “Já vi animais de estimação mais bem tratados”, acrescenta Bob Schoch, agente do ICE. Na esperança de justificar o negócio, Ibrahim mostrou aos agentes o contrato escrito à mão e registrado em cartório que ele e os pais de Shyima haviam assinado.“O contrato dizia que a menina teria de trabalhar para eles durante dez anos”, explica Jacobson, em troca do pagamento de 30 dólares por mês aos pais. O investigador prendeu Ibrahim e Motelib e acusou-os de conspiração, de servidão involuntária, de apropriar-se do trabalho de outra pessoa e de abrigar estrangeiros ilegalmente.


Alforria


No dia do resgate de Shyima, os funcionários da imigração lhe propuseram que escolhesse entre voltar ao Egito ou ficar nos Estados Unidos, morando num lar adotivo. Nervosa e hesitante, Shyima telefonou ao pai, no Egito, e falou de supetão: “Quero ficar aqui.” O pai da menina ficou chateado, mas Shyima já havia decidido: queria começar uma vida nova.
Durante os dois anos seguintes, Shyima morou com duas famílias adotivas. No primeiro lar, aprendeu a falar e a ler em inglês. No segundo, em San José, queriam que fizesse voto estrito de obediência à religião muçulmana e, depois de uma discussão, deixaram-na num lar coletivo local. “Eu só queria ser uma adolescente americana comum”, diz ela.
Logo seu desejo se realizou. Chuck e Jenny Hall, pais de duas meninas e um garoto, tinham acabado de comprar uma casa de quatro quartos em Orange County e decidiram que havia espaço para mais filhos. Depois de adotar uma menina de 15 anos e o sobrinho de Chuck, de 13, estavam dispostos a receber mais um. “No primeiro encontro com Shyima”, diz Chuck, gerente de uma empresa de uniformes, “a gente logo se entendeu. O senso de humor dela era igual ao meu.” Shyima só fez duas perguntas aos possíveis pais: se havia regras na casa e quais os serviços que teria de fazer. A resposta de Chuck: “Tudo é negociável.”“A regra número um é ir à escola e fazer o dever de casa”, acrescentou Jenny, orientadora educacional. “Va­mos tratá-la como filha. Você vai fazer parte da nossa família.”


Shyima com seus irmãos em seu novo lar.







Qual a pena para quem explora o trabalho infantil?

Enquanto isso, Ibrahim e Motelib admitiram a culpa ao juiz para evitar o julgamento formal. Na audiência final do processo, em outubro de 2006, Shyima ficou nervosa quando ouviu o pedido de clemência: “O que aconteceu deveu-se à minha ignorância da lei, mas assumo toda a responsabilidade”, disse Ibrahim ao juiz.
Ibrahim recebeu uma pena reduzida de três anos de prisão e Motelib, de 22 meses. O casal também teve de pagar a Shyima 76.137 dólares pelo tempo em que trabalhou. Ambos serão deportados para o Egito quanto saírem da cadeia.

Depois da audiência, Shyima comemorou indo comprar um vestido para usar no baile dos ex-alunos da escola secundária. “Ela tem força de vontade e é independente”, diz Jenny que, com o marido, adotou Shyima legalmente em 2006. No futuro, Shyima diz que gostaria de ser policial, para ajudar os outros. Também quer voltar ao Egito algum dia para visitar os irmãos e as irmãs. Mas, por enquanto, está contente, vivendo o sonho que nunca imaginou realizar: ter a vida de uma adolescente comum.

Por Mary A. Fischer

2 comentários:

  1. Fico revoltada com essa hipocrisia, imundice e violência do mundo... É tanta maldade! Ontem, vi Zuzu Angel. Já viu? Fiquei com vergonha de ser brasileira, mas infelizmente no mundo inteiro há pessoas más.

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  2. Já ouvi falar do filme, mas nunca assisti! E o pior é que a cada momento alguém descobre uma forma de agir com mais crueldade, sempre alguém se supera...

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